terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Lei do comercio imobiliario equilibra mercado

Jaques Bushatsky



Muito já se reclamou do custo Brasil, onerado por leis inadequadas, incongruentes com um saudável ambiente de crescimento econômico. Boas leis são somente aquelas que realmente atendem a demanda da sociedade e regulam coerentemente a ordem, a paz e o desenvolvimento, não apenas o econômico, mas principalmente o social.

No mercado imobiliário e em especial, na locação de imóveis, já se sofreu muito. Anote-se, o desenvolvimento do mercado de locações é essencial para a garantia do direito de moradia (direito constitucionalmente assegurado , que não significa direito à “casa própria”), para o incremento da construção civil (cuja cadeia produtiva responde por 18% do PIB), para assegurar emprego a milhões de pessoas.

Infelizmente, ainda permanecem no imaginário de muitos, as inacreditáveis dificuldades que abatiam, na verdade proibiam o investimento em imóveis para locação: já tivemos lei que restringia o reajuste do aluguel residencial a dois terços da atualização do salário mínimo; lei que parcelava o reajuste em três vezes ; dispositivo que prorrogava compulsoriamente a locação residencial, por exemplo.

Tudo foi superado pela Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991 e, para quem prestou atenção a tal, está aberto um bom campo de investimentos ou de proteção patrimonial, com franco benefício à sociedade.

Um primeiro aspecto importante: a lei atual resiste incólume, há década e meia. É, indubitavelmente, a mais equânime norma locatícia, dentre tantas que já regularam a matéria em nosso país, pois corporificou alentado desenvolvimento jurisprudencial, resumiu grande experiência dos agentes envolvidos no setor, acolheu bem o pensamento doutrinário, tudo para resultar no diploma que melhor tem funcionado ou, mais exatamente, que melhor tem permitido a operação das locações.

As normas inquilinárias antigas possuíam de fato um pendor pela “proteção” dos locatários. Visão míope que levava ao óbvio desinteresse de proprietários e investidores na celebração de contratos. A conseqüência é conhecida: imóveis vazios e aluguéis (diante da escassez da oferta) elevados; proprietários resistentes à celebração de contratos; investimentos em fuga; falta de moradias e de imóveis para o desempenho de atividades comerciais.

Sob o enfoque institucional, não será demasiado observar que leis adequadas permitem que as pessoas atuem, legalmente, livres dos riscos e das dificuldades inerentes à invenção de meios para alcance das composições realmente desejadas pelos contratantes. São dos tempos antigos as “idéias” — que na verdade nunca funcionaram, posto precárias e ilegítimas já em suas formulações — de mascarar locações como comodatos, mentir nos contratos sobre a destinação dos imóveis, enevoar os valores e assim por diante. Submetidas ao Judiciário, essas fantasias não resistiam ao choque da realidade.

A lei atual não contém, felizmente, qualquer previsão absurdamente favorável a qualquer dos contratantes e não alberga situações que impeçam novos contratos.

Uma única exceção prova quão bem andou o legislador em geral, e qual a conseqüência de legislar-se “protegendo” apenas um dos lados: hospitais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo poder público e entidades religiosas registradas, foram enganadamente “beneficiados” pela lei e gozam de prazo especial para o despejo, pois foram restringidas as hipóteses de rescisão contratual. Pode parecer positiva a proteção, mas não o é: menos proprietários aceitam alugar para essas entidades e, quando o fazem, exigem preços maiores, que remunerem a dificuldade de futura rescisão.

Caso se pretenda comparar quantitativamente os dispositivos “favoráveis” a uma ou outra parte, ver-se-á que em absoluto, a atual lei não é contrária aos locadores. Antes, cumpre observar que como ocorre com os “vasos comunicantes”, qualquer exagero em prol de uma parte resulta em expressão econômica contrária a esta mesma parte: proíba-se o livre curso dos contratos e imediatamente cairá à oferta de imóveis, os aluguéis subirão, o lado pretensamente protegido se verá em situação indesejável.

A Lei 8.245/91 permite ao locador a denúncia vazia, antes vedada em locações residenciais; admite a cobrança de “luvas” no início do contrato de locação empresarial; admite a escolha entre quatro boas modalidades de garantia; admite a penhora do imóvel residencial do fiador (fazendo valer efetivamente a palavra empenhada); permite multas; prevê facilidades e até a cobrança antecipada do aluguel em locações para temporada ou naquelas celebradas sem qualquer garantia; presume a sinceridade do locador que postula a retomada em anteposição à renovatória de contrato de locação comercial; exige para a renovatória o escrupuloso cumprimento do contrato pelo locatário; atribuiu somente efeito devolutivo a apelações, viabilizando a rapidez das demandas judiciais; concretizou a fixação de alugueis provisórios compatíveis com o mercado, no curso de ações judiciais.

A estes exemplos poderiam ser recordados benefícios diretamente cometidos aos locatários: prazo mínimo do contrato de locação residencial, direito à devolução do imóvel com multa proporcional e até com dispensa da multa; direito à renovatória; proibição de “luvas” na renovação da locação; direito de preferência na aquisição do imóvel; direito à purgação da mora; isenção de taxas de administração imobiliária; isenção de pagamento das despesas extraordinárias condominiais.

Ora, este brevíssimo passeio pela lei acarreta uma única conclusão: ao não se inclinar em favor de qualquer dos contratantes, ao equilibrar as posições dos pactuantes, a legislação permitiu o bom desenvolvimento do mercado.

Ou seja, a lei tratou da matéria de ordem pública organizando as locações e não se amesquinhou para erroneamente favorecer locadores ou locatários. Regrou, protegeu e organizou o aluguel de imóveis.

E vale a pena constatar que algumas novidades, boas, se somaram à lei das locações. É o caso da recente Lei 11.196 de 21/11/05, que trouxe um provável alento aos locadores e aos locatários: os fundos de investimento para garantia de locação imobiliária, permitindo que quotas, que poderão pertencer inclusive a estranho à relação locatícia, assegurem a liquidação dos aluguéis.

Ao contrário de tantos projetos que pretenderam, no passado, extinguir garantias e direitos, mas não indicaram novas possibilidades, tão somente trancando as atividades econômicas, esta lei trouxe mais uma forma de garantir as locações, facilitando as contratações pelos inquilinos.

Interessa recordar também, em prol do ambiente seguro para negócios, paradoxalmente, um projeto de lei que não vingou, e a rejeição pode ser um emblema do atual pensar sobre o tema: objetivava-se restringir as modalidades de garantias locatícias, eliminando-se a possibilidade de prestação de fiança.

Ora, havia sido deslembrado que se cuidava de garantia tradicionalmente utilizada: em São Paulo, 57% das locações residenciais são garantidas por fiança, existindo regiões em que o percentual aproxima-se da totalidade. A boa notícia: num bom passo, os legisladores perceberam que não haveria de ser através de uma “canetada” que iriam mudar institutos consolidados.

E, o aspecto judicial tem sido aprimorado: o Judiciário está entendendo cada vez melhor o problema criado pela demora do despejo; o Setor de Conciliação corre a toda em São Paulo; a execução de sentenças foi fortalecida pela Lei 11.232/05 (em vigor desde junho de 2006); tem sido admitida a “tutela antecipada” (artigo 273 do CPC) em várias situações.

É inegável: aliada à estabilização da economia, a Lei de Locações prestou-se muito bem à defesa não do locador ou do locatário, mas das locações propriamente ditas; a lei permitiu a substancial redução de ações judiciais, hoje praticamente restritas àquelas situações de inadimplemento — situações econômicas, jamais locatícias; comerciantes locatários encontraram boa proteção na lei; existe segurança em investir na construção de imóveis para locação — aí estão os novos shopping centers, os prédios comerciais, os conjuntos habitacionais, todos esteados em contratos de locação.

Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2007

Fonte: Consultor Jurídico

Data: 28/01/07

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